Não sei se vocês concordarão comigo, mas uma parcela da satisfação em um empreendimento novo depende muito de quem vai conduzi-lo. Os empreendimentos são entregues, esperamos, em alto nível técnico, novos em folha! Mas os sistemas ali instalados já possuem um tempo de vida, mesmo antes da entrega e precisamos ter isso claro!
É importante ressaltar que, quando me refiro ao gestor predial, estou falando do responsável pela gestão da edificação, que pode ser o próprio síndico ou alguém que se reporta a ele. O síndico, como representante legal do condomínio, tem a obrigação de zelar pela preservação e manutenção do empreendimento. Para cumprir essa função de forma eficiente, é fundamental que o síndico esteja preparado e capacitado como um gestor, pois uma edificação requer uma gestão técnica e administrativa competente para garantir sua longevidade e o bem-estar dos condôminos.
As construtoras por sua vez têm a obrigação de realizar uma entrega bem-feita e de fornecer o manual de uso, operação e garantias em atendimento à ABNT NBR 14037:2014. Um outro aspecto crucial abordado pela recente norma ABNT NBR 17170:2022 é a definição das responsabilidades dos proprietários, usuários e construtoras no que tange à manutenção e à observância das condições de garantia. A norma enfatiza a importância da manutenção adequada e do uso conforme as orientações dos manuais para a validade das garantias.
Isso significa que, se um proprietário realizar alterações não autorizadas em sua unidade ou não seguir as recomendações de manutenção do manual, ele pode perder a cobertura da garantia para certos sistemas ou componentes. Por outro lado, se a construtora não fornecer um manual completo e claro, ela pode ser responsabilizada por falhas decorrentes da falta de informação.
Mas, após a entrega, deveria haver um processo de “desmame”, afinal, o empreendimento ganha vida, vira um condomínio, um CNPJ, que como qualquer outra empresa, precisa de gestão.
E é aí que o bicho pega!
Uma gestão ineficiente acaba por comprometer, muitas vezes, o produto entregue, pois as recomendações de manutenção não são realizadas. As construtoras viram reféns de gestores incapazes, que atribuem à construtora o que é sua responsabilidade.
Empreendimentos bem geridos tendem a ter uma maior satisfação dos moradores com a construtora, quando cada um cumpre com suas obrigações. E não há nada mais injusto do que negligenciar por anos a responsabilidade pela manutenção, e, antes de completar 5 anos da entrega, contratar um laudo para apontar falhas e vícios, requerendo reparos e postergação de garantias.
É claro que, no período de garantia, muitos problemas aparecem, para isso existe a assistência técnica pós-obras e prazos para requerer atendimento. Mas vejo muito abuso nesse sentido, e cabe a nós – engenheiros, peritos, assistentes técnicos – saber discernir o que é vício e o que é negligência de manutenção, dando a César o que é de César, auxiliando corretamente os gestores prediais, trazendo clareza dos fatos e um ambiente mais profissional e honesto.
Não estou aqui defendendo as construtoras, mesmo porque defendo que cada parte deve assumir a sua responsabilidade, mas trazendo uma reflexão sobre como anda o nosso mercado de gestão predial. Essa gestão que vai garantir a harmonia do prédio, porque se há problemas técnicos oriundos da construção, haverá a demanda e o acompanhamento até a solução por parte do síndico junto à construtora, desde que ele seja capaz de conduzir.
Torna-se necessária uma catequização desses profissionais, para que tenham plena consciência de suas responsabilidades e atribuições. Também os condôminos precisam entender que, se não fizerem as manutenções preventivas periodicamente, mais cedo ou mais tarde terão manutenções corretivas, a um custo muito mais elevado.
Vocês já ouviram falar sobre a Lei de Sitter?
A lei de Sitter, demonstra que os custos de intervenção em uma edificação crescem exponencialmente ao longo do tempo, se as manutenções preventivas não forem realizadas. Isso significa que uma falsa economia na manutenção periódica pode levar a um gasto muito maior com manutenções corretivas no futuro.
Portanto, profissionais da área de gestão condominial, vocês precisam entender como funciona a gestão técnica e como ela pode ajudar a conduzir plenamente as demandas, de maneira a solucionar assertivamente os problemas, antes que eles virem uma bola de neve. Os prédios são projetados para uma vida útil, e essa vida útil somente será alcançada se as manutenções estiverem acontecendo corretamente.
Percebam que o patrimônio de vocês pode estar sendo deteriorado por uma falsa economia na manutenção periódica, que não é feita com o intuito de “economizar” ou até mesmo reduzir ou manter a taxa de condomínio. Ou talvez, por falta de conhecimento, planejamento financeiro, visão de futuro e estabelecimento do plano de manutenções.
Até quando veremos tragédias anunciadas por negligência de síndicos, gestores prediais e construtores? Até quando uma parte será penalizada, tendo que provar que não errou, ou que houve algum caso de modificação que comprometeu o que foi entregue? Como apurar histórico se na maioria esmagadora das vezes não é localizado registro de obra e reformas? Realmente é algo muito complexo!
Além disso, é fundamental que o gestor predial esteja atento ao recebimento técnico do empreendimento. Esse processo deve ser realizado de forma minuciosa, preferencialmente com assessoria técnica de um engenheiro especialista, verificando todos os sistemas e acabamentos, e registrando qualquer não conformidade. É nesse momento que o gestor deve se assegurar de que o empreendimento está sendo entregue conforme o prometido e de acordo com as normas técnicas vigentes.
Durante o período de garantia, é comum surgirem ocorrências que precisam ser tratadas com a construtora. Nesses casos, o gestor predial deve saber distinguir claramente o que é um vício construtivo, de responsabilidade da construtora, e o que é uma questão de manutenção, de responsabilidade do condomínio.
O gestor predial deve estar capacitado para fazer essa distinção e agir em defesa dos interesses dos condôminos. Isso significa cobrar da construtora a solução dos vícios construtivos dentro do prazo de garantia, mas também orientar os condôminos sobre suas responsabilidades na manutenção do empreendimento.
Quando há clareza sobre as responsabilidades de cada parte, evitam-se conflitos desnecessários e garantem-se os direitos de todos os envolvidos. O gestor predial tem um papel fundamental nesse processo, atuando como um mediador entre o condomínio e a construtora, e zelando pela preservação do patrimônio dos condôminos.
A solução está na capacitação e qualificação dos profissionais de gestão condominial, para que possam realizar uma gestão técnica predial proativa, eficiente e assertiva. Isso inclui não apenas a realização das manutenções preventivas e corretivas, mas também várias outras frentes, como o recebimento técnico do empreendimento, a gestão das ocorrências em garantia e a orientação aos condôminos sobre suas responsabilidades.
Só assim será possível garantir a segurança, o conforto, a funcionalidade e a valorização dos empreendimentos ao longo de toda a sua vida útil, beneficiando construtoras, incorporadoras, condôminos e toda a sociedade.
Assuma a sua parcela de responsabilidade no processo!
Um grande abraço,
Olívia Medeiros